Cuidado e saúde da população negra no Brasil na Atenção Primária à Saúde
Indicadores de saúde da população negra no Brasil apontam que 58,7% avaliam a própria saúde como boa, segundo dados da pesquisa Covitel disponíveis no Observatório da Saúde Pública. Comparativamente, a percepção positiva aumenta para 62,8% na média nacional, independente de recorte étnico-racial, e para 68,8% entre as pessoas brancas.
A qualidade da saúde e o acesso a atendimentos podem ser diferentes para negros e não negros? Os dados indicam que sim. E, ainda, que o problema se apresenta ao longo de variadas fases da vida de uma pessoa.
A maioria (53%) das crianças que morreram antes de completar um ano de vida no Brasil em 2021 eram pretas e pardas. Das mulheres que morreram em decorrência do parto no mesmo período, também (61,6%). As informações são do SIM-DATASUS, consultadas no Observatório da Saúde Pública.
Abaixo, apresentamos cenários da saúde da população negra no Brasil, fundamentais para estabelecer políticas públicas que reduzam as desigualdades étnico-raciais e a promoção integral da saúde, começando por questões no âmbito da Atenção Primária à Saúde.
4 doenças que são mais incidentes em pessoas negras
Por causas multifatoriais, como disposição genética combinada, fatores sociais e ambientais, algumas doenças são mais incidentes na população negra. Segundo o Boletim Temático da Biblioteca do Ministério da Saúde, são elas:
1- Diabetes tipo 2: causado pela produção insuficiente ou pela má absorção de insulina pelo organismo, torna necessário manter o nível de glicose no sangue controlado por meio da alimentação e/ou de medicamentos.
2- Hipertensão arterial: condição médica caracterizada pelo aumento da pressão sanguínea nas artérias. Se não controlada, pode aumentar o risco de complicações graves, como doenças cardíacas, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência renal e outras doenças vasculares.
3- Doença falciforme: grupo de distúrbios genéticos hereditários que afetam a hemoglobina, fazendo com que as células vermelhas do sangue assumam forma de foice (daí o termo “falciforme”) – menos flexíveis, obstruindo vasos sanguíneos e/ou mais fáceis de romper. A anemia falciforme é a forma mais comum e grave da doença.
4- Deficiência de G6PD: outro distúrbio genético, a deficiência da enzima Glicose-6-Fosfato Desidrogenase resulta na destruição dos glóbulos vermelhos, levando à anemia hemolítica.
DCNTs: diabetes e hipertensão na população negra
Aprofundando a análise de DCNTs, as doenças crônicas não transmissíveis, o diabetes alcança 10,1% dos adultos nas capitais brasileiras, de acordo com dados atuais do Vigitel.
Em 2022, houve mais de 127 mil internações pela doença no SUS (rede pública ou particular conveniada) no país todo, conforme dados do SIH-DATASUS consultados no Observatório da Saúde Pública. E a população negra (conjunto de pretos e pardos) foi a mais impactada: 65.338, ou 51,07% do total de pacientes internados.
Já em relação à mortalidade pela doença, houve maior equilíbrio. Dados do SIM-DATASUS apontam que, das 78.258 mortes por diabetes em 2021, a população branca representou 38.292 óbitos (48,9%) e a negra, 37.466 (47,9%). O quadro é completado por indígenas (0,23%), amarelos (0,65%) e casos em que raça ou cor foram ignoradas (2,3%).
Quando se trata da mortalidade por diabetes, no entanto, é importante considerar que o número tende a ser subestimado pelo fato da doença não ser a causa principal da morte, mas sim as complicações associadas a ela.
Já a hipertensão é uma realidade para 28,1% de toda a população adulta das capitais brasileiras, novamente com dados do Vigitel de 2023.
A doença foi a causa principal de 39.966 mortes no país todo em 2021. Considerando o conjunto das pessoas pretas e pardas, este grupo representa 20.165 óbitos por hipertensão, pouco mais da metade (50,4%), seguido pelos 46,6% de pessoas brancas.
Por fim, em 2022, a população negra correspondeu a 19.580 das 35.885 internações por hipertensão arterial no SUS (rede pública e particular conveniada), de acordo com o SIH-DATASUS. É o equivalente a 54,6% do total. No entanto, não há registro de informações sobre raça ou cor para aproximadamente 6,6 mil pacientes internados.
Mortalidade infantil e materna
Desigualdades étnico-raciais impactam diretamente na mortalidade infantil no Brasil.Em 2021, foram 2,7 milhões de nascimentos no país. No mesmo período, 31.850 crianças morreram antes de completar um ano, das quais 16.929 (53%) eram pretas e pardas.
A mortalidade de crianças menores de cinco anos também é mais alta entre a população negra, que respondeu por 53% (19.456) dos 36.877 óbitos em 2021. No mesmo período, morreram 13.780 crianças brancas, 923 indígenas, 70 amarelas e 2.648 de raça ignorada nessa mesma faixa etária.
Olhando para a saúde da mulher, mulheres pretas e pardas são as que mais morrem em decorrência do parto no país. Das 3.058 mortes em 2021, 1.885 (61,6% do total) correspondem a esse grupo, de acordo com o SIM-DATASUS.
A taxa de mortalidade materna no Brasil é de 114,2 a cada 100.000 nascidos vivos. Até 2030, a ONU estabeleceu como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) reduzir o índice global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos.
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
Ainda hoje, uma das principais questões enfrentadas pela população negra no Brasil é a desigualdade no acesso aos serviços de saúde e a cuidados de qualidade. A equidade é um dos princípios do Sistema Único de Saúde, o SUS. Isso diz respeito a reconhecer determinantes sociais de cada cidadão ou grupo e criar ferramentas para combater desigualdades que impactam a saúde da população.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) é uma iniciativa para preencher a lacuna da falta de representatividade nas políticas de saúde. Para que ela seja executada com sucesso no dia a dia, no entanto, é necessário que gestores públicos e privados, movimentos sociais e profissionais de saúde compreendam as vulnerabilidades e trabalhem em prol de melhores condições de saúde para a população negra.
Ao abordar as disparidades no acesso aos cuidados de saúde, fatores de risco específicos e a importância da representatividade, podemos construir um sistema de saúde mais inclusivo e acessível para todos. O caminho para a melhoria da saúde da população no Brasil requer esforços coordenados e comprometidos de todos os setores da sociedade.