Desigualdade racial no Brasil: estudo revela os impactos da discriminação na saúde

O racismo é um dos principais fatores que aprofundam a desigualdade racial no Brasil. Mas seu impacto vai além: a saúde também é afetada, o que torna a discriminação racial um determinante social relevante na ocorrência de doenças. Por isso, é essencial analisá-lo de forma sistemática e rigorosa.

Neste cenário, por exemplo, uma pesquisa nacional mapeou, pela primeira vez, com dados detalhados, a frequência com que brasileiros se sentem discriminados no dia a dia e as razões atribuídas a essas situações. 

O levantamento, contudo, faz parte da série Mais Dados Mais Saúde, programa de inovação em dados de saúde. O documento, desenvolvido por Vital Strategies e Umane, tem parceria técnica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ainda, tem apoio do Instituto Devive e colaboração do Ministério da Igualdade Racial. Todos os dados estão disponíveis no Observatório da Saúde Pública da Umane.

Racismo e saúde: o peso da desigualdade racial

A pesquisa utilizou a Escala de Discriminação Cotidiana, uma ferramenta criada para medir a percepção de discriminação em dez situações do cotidiano. Ser tratado com menos gentileza ou respeito, receber atendimento pior em lojas ou restaurantes, e ser visto como desonesto ou causar medo. A escala gera um escore de 1 a 4, indicando que, quanto maior o valor, maior a frequência das experiências de discriminação.

Pretos relatam discriminação até dez vezes mais que brancos

Os resultados mostram dados contundentes: 84% dos entrevistados que se identificam como pretos relataram já ter sofrido discriminação racial. Entre os pardos, o percentual foi de 10,8%; entre os brancos, para 8,3%.

Fonte: Dados do Mais Dados Mais Saúde acessados no Observatório da Saúde Pública.

49,1% das pessoas pretas relatam ser frequentemente tratada com menos gentileza, contra 43,8% dos pardos e apenas 10% dos brancos. Situação semelhante ocorre em relação ao respeito: 40,1% dos pretos. Eles dizem ser tratados sempre com menos consideração, enquanto 4,5% dos pardos e 1,4% dos brancos compartilham dessa percepção.

O atendimento, por exemplo, também reflete essa desigualdade racial: 54,6% dos pretos afirmam receber atendimento pior frequentemente, ante 26,4% dos pardos e 6,3% dos brancos. No comércio, 14,8% dos pretos dizem serem seguidos em lojas sempre, frente a 1% dos pardos e 4,2% dos brancos.

54,6% dos pretos afirmam receber atendimento pior frequentemente, ante 26,4% dos pardos e 6,3% dos brancos.

Mulheres pretas: sobreposição de racismo e sexismo

O levantamento mostrou que, além da desigualdade racial, outros fatores costumam se somar na percepção de discriminação, como gênero, aparência e posição socioeconômica, revelando a complexidade das desigualdades enfrentadas no dia a dia, por exemplo.

Entre as pessoas pretas, 70,9%% atribuíram duas ou mais razões para as experiências de discriminação vividas. Esse percentual é ainda maior entre as mulheres pretas, que registraram 72%, enquanto 62,1% dos homens pretos relataram múltiplos fatores.

Os dados confirmam que o racismo é o principal fator de discriminação no país, assim como mostram que ele se combina frequentemente com outras desigualdades, afetando de forma mais intensa a vida das mulheres pretas.

Dados publicados pelo Ministério da Saúde em 2023 reforçam os efeitos do racismo como determinante social da saúde, especialmente para mulheres negras. O boletim epidemiológico “Saúde da População Negra” mostra que a mortalidade materna por hipertensão aumentou 5% entre mulheres pretas de 2010 a 2020, enquanto caiu em outros grupos.

Além disso, as desigualdades no acesso ao pré-natal e ao cuidado infantil persistem: apenas 68,7% das mães pretas tiveram sete ou mais consultas de pré-natal em 2020, contra 80,9% das brancas. A proporção de recém-nascidos com baixo peso aumentou de 8% para 10,1% entre mães negras no mesmo período. 

Usuários do SUS e moradores do interior também enfrentam mais discriminação

Os dados indicam que médias de discriminação mais altas foram observadas entre mulheres, pessoas que não concluíram o ensino superior, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e moradores do interior, em comparação com homens, indivíduos com maior escolaridade, usuários de planos privados e habitantes de capitais ou regiões metropolitanas.

A Escala de Discriminação Cotidiana aplicada permitiu identificar essas diferenças e medir a frequência de experiências discriminatórias, mostrando como fatores socioeconômicos e o tipo de acesso à saúde também se relacionam com a percepção de desigualdade racial e social na saúde.

Combate à desigualdade: o papel estratégico do SUS

O SUS se apresenta como um importante instrumento para enfrentar as desigualdades e pode atuar como catalisador de mudanças no combate à discriminação racial. Incorporar dados sobre experiências de discriminação à avaliação dos determinantes sociais da saúde permite orientar políticas públicas mais precisas, que considerem o impacto do racismo na saúde da população.

O enfrentamento do racismo institucional exige esforços coordenados entre governo, profissionais de saúde, sociedade civil e instituições privadas. Portanto, monitorar práticas discriminatórias em diferentes dimensões, incluindo o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, é fundamental para mapear desigualdades, compreender seus mecanismos e criar estratégias que garantam atendimento equitativo e inclusivo para toda a população.